Poesia conceitual (Friedrich Albert Lange)

            Conceito cunhado pelo filósofo alemão Friedrich Albert Lange. Seu propósito, com esse conceito, é descartar as aspirações teóricas da metafísica, que, então, deve ser mantida unicamente enquanto um consolo para os indivíduos e a sociedade. 

        A filosofia, para Lange, possui duas partes. Primordialmente, filosofia é “filosofia crítica”, aquela que “destrói a falsa aparência do conhecimento transcendente (para além da experiência)”[1]. Esse é o lado da filosofia que pertence exclusivamente à lógica e teoria do conhecimento, não podendo ser revertido nem por algo como a vontade moral de Kant, e muito menos pela vontade geral de Schopenhauer. Mesmo que se quisesse admitir, assegura Lange, com Schopenhauer que a vontade é a coisa em si, ou com Kant que o sujeito é um ser essencialmente racional na vontade moral, a vontade é “inevitavelmente um fenômeno (Phänomen)”, não afetando, assim, a “pedra angular da crítica da razão”[2]. Aqui prevalece a fidelidade à cientificidade filosófica, cujo objeto é unicamente o “mundo dos fenômenos”[3].

            Porém, diz Lange, a filosofia também possui um “lado positivo, o qual não desenvolve o mundo das ideias sobre a experiência e que defende o seu direito de existência”[4]. Essas ideias são indiscutivelmente necessárias ao homem, amenizando os efeitos devastadores do criticismo. Triunfante, o criticismo reduz o terreno do conhecimento ao conhecimento analítico das ciências naturais. Sem dúvida o conhecimento do particular, e as expectativas lançadas sobre a marcha ascensional da ciência, são fontes de satisfação para o espírito humano. Contudo, o universo, tal como nós o conhecemos pelas ciências da natureza, “não nos inspira como uma Illíada[5]. Isso quer dizer que ao homem é inerente um desejo de totalidade, harmonia e unidade que não pode ser oferecido pela via analítica. Essa era a vantagem do dogmatismo. No entanto, uma vez concretizada a sua eliminação, o espírito humano resiste a admitir a preponderância do pessimismo. Independentemente da destruição do dogmatismo, é indestrutível a inclinação do espírito à “visão de mundo harmônica”[6]. Esse desejo pode ser preenchido por aquilo que Lange nomeia de “poesia conceitual da especulação”[7]. Trata-se, em poucas palavras, da construção de sínteses sem depender da experiência. Não que se trate de uma operação completamente livre. Assim como as pesquisas empíricas, a poesia conceitual também persegue uma “apresentação unitária do que é dado na sua coesão”, mas com a diferença que a ela falta a “coação tutelar dos princípios da experiência”[8]. Portanto, Lange encontra, através da poesia conceitual, e seu universo dominado exclusivamente por formas, uma maneira de dar vazão às necessidades totalizantes do homem, sem incorrer em dogmatismo.

            Temos aí dois ganhos que merecem ser detalhados. Primeiramente, essa solução não só mantém como acentua o criticismo. Uma vez dispostas no universo poético, as ideias “não nos dão conhecimento, mas nos conduzem num mundo imaginário”[9]. É preciso, tal como Schiller, ver o mundo inteligível absorvido pela liberdade poética. Quando se tenta justificar a especulação por meio de uma ciência demonstrativa, invariavelmente o materialismo reaparece para “destruir as especulações”[10]. Logo, o uso da poesia conceitual é necessariamente posterior à delimitação crítica do campo do conhecimento; ela se vale e demarca o corte já realizado entre conhecimento e especulação. Como diz Lange, “nós só podemos poetizar ainda uma verdade absoluta, após nos convencermos da relatividade de todo o conhecimento”[11].

            O outro ganho é ético ou edificante. Quando a filosofia inclui entre as suas prioridades que ela deve, com as ideias, “edificar, ao invés de nos incomodar com disputas dogmáticas”[12], se insinua uma mudança determinante em relação à antiga metafísica ou a metafísica que ainda permanece teórica. Essa metafísica, que tenta resolver problemas insolúveis, que se envolve com disputas inúteis e ainda tenta rivalizar com as ciências, gradualmente perde importância. Por outro lado, a metafísica poética, aquela que rompeu os laços com pretensões teóricas, automaticamente se vincula com o “mundo dos valores”, sendo, portanto, uma alternativa para o “futuro da religião”[13]. Lange, de uma forma muito semelhante a Schiller[14], está procurando oferecer uma base estética para a ética. Não que todas as ideias possuam o mesmo peso na escala dos valores: Lange contesta, por exemplo, a necessidade da ideia de Deus entre as ideias da razão kantiana[15]. De qualquer modo, uma vez delimitada as ideias verdadeiramente elevadas, aquelas capazes de mobilização e comoção estética, Lange alimenta a esperança de fundamentar uma nova religião, uma religião que — assim como propunha Ueberweg — teria nos seus alicerces princípios naturalistas e antropológicos.

 

Referências bibliográficas:

LANGE, F.A., Geschichte des Materialismus und Kritik seiner Bedeutung in der Gegenwart. Iserlohn: J. Baedeker, 1866.

___________, Geschichte des Materialismus und Kritik seiner Bedeutung in der Gegenwart. Iserlohn: J. Baedeker, 1877.

___________, Einleitung und Kommentar zu Schillers Philosophischen Gedichten. Berlin: Dehmigfe’s Verlag, 1897.

VAIHINGER, H., Die Philosophie des Als Ob. System der theoretischen, praktischen und religiosen Fiktionen der Menschheit auf Grund eines idealistischen Positivismus, Leipzig: Felix Meiner, 1922.

 


[1] LANGE, F.A., Einleitung und Kommentar zu Schillers Philosophischen Gedichten. Berlin: Dehmigfe’s Verlag, 1897, p. 5.
[2] Idem, Geschichte des Materialismus und Kritik seiner Bedeutung in der Gegenwart. Iserlohn: J. Baedeker, 1877, p. 60.
[3] Idem, Einleitung und Kommentar zu Schillers Philosophischen Gedichten. Berlin: Dehmigfe’s Verlag, 1897, p. 10.
[4] Idem, Ibidem.
[5] Idem, Geschichte des Materialismus und Kritik seiner Bedeutung in der Gegenwart. Iserlohn: J. Baedeker, 1877, p. 544.
[6] Idem, Ibidem.
[7] Idem, Ibidem, p. 540.
[8] Idem, Ibidem.
[9] Idem, Ibidem, 1866, p. 277.
[10]Idem, Ibidem, 1877, p. 545.
[11]Idem, Einleitung und Kommentar zu Schillers Philosophischen Gedichten. Berlin: Dehmigfe’s Verlag, 1897, p. 9.
[12] Idem, Geschichte des Materialismus und Kritik seiner Bedeutung in der Gegenwart. Iserlohn: J. Baedeker, 1866, p. 269.
[13] Idem, Ibidem, 1877, p. 546.
[14] É pertinente citar aqui uma passagem esclarecedora de Vaihinger: “Lange vê como seu precursor imediato não Kant, mas Schiller” (VAIHINGER, H., Die Philosophie des Als Ob. System der theoretischen, praktischen und religiosen Fiktionen der Menschheit auf Grund eines idealistischen Positivismus, Leipzig: Felix Meiner, 1922, p. 758).
[15] Cf. LANGE, F.A., Geschichte des Materialismus und Kritik seiner Bedeutung in der Gegenwart. Iserlohn: J. Baedeker, 1877, p. 56. 

 


Autor: Eduardo Nasser